Recordações:
O Assessor do Deputado
Eu realmente não sei o motivo de nunca ter contado para ninguém essa história que vivi. Ela ficou resguardada durante 20 anos ou quase. Até agora.
Pois bem, sempre fui bastante participativo em assuntos da comunidade onde morava. Desde o início da adolescência (para ser mais específico). Havia um debate na comunidade sobre a emancipação dessa do restante do município e eu tinha proximidade com o presidente da comissão que pregava essa pauta. Numa dessas reuniões com a comunidade foi convidado o deputado federal X, inclusive, já partido dessa vida (do também falecido PTB) que veio prestar sua solidariedade ao pleito. E lá estava minha pessoa presente.
O deputado veio assessorado por um daqueles que prestavam o mesmo serviço em Brasília.
Havia entre esse assessor e esse que escreve uma troca de olhares. Eu, sabia o que rolava, porém, era muito inexperiente e amedrontado ainda no "armário". Tinha apenas 16 anos. Pois, é: um "mucilon".
Aconteceu que em certo momento, o deputado precisava recarregar o celular e ninguém tinha um carregador disponível, então, alguém perguntou se eu tinha aquele tipo de carregador e a minha resposta foi afirmativa, porém teria que buscar em casa. Logo, o assessor do deputado se dispôs a me levar em casa para pegar o tal carregador. Iríamos eu e ele somente. O mesmo dirigindo o carro do deputado.
Tão logo embarcamos no carro ele disse seu nome (o qual não vou citar) e perguntou se eu gostava de meninos mais velhos ao tempo que disse que tinha 21 anos. Fiquei meio sem jeito, mas afirmei que sim. Era uma noite fria e meio chuvosa. Paramos em lugar com pouca iluminação. E ficamos. Por cerca de meia hora apenas, pois o deputado tinha outra agenda. Depois de ficarmos fomos na minha casa pegar o carregador para o deputado. E voltamos à reunião.
Durante a reunião trocamos nossos e-mails.
No outro dia recebi uma mensagem do assessor me motivando a ir pra Brasília que ele conseguiria uma espécie de estágio no partido e eu poderia morar com ele. A ideia foi uma tentação, mas obviamente não havia a mínima condição de ser aceita devido ao fator da minha idade e também por desconfiar da intenção.
Nos correspondemos por um ano até que não mais. Passados 20 anos do acontecimento lembrei e resolvi contá-lo.
Tais recordações também não são apenas sobre encontros, mas sobre o modo como nos reconhecemos no tempo. Na juventude, elas surgem como faíscas de desejo e incerteza; depois, se tornam testemunhos silenciosos daquilo que nos moldou. Ao revisitá-las, não é o passado que revive, mas a consciência presente que se amplia: percebemos que a vida não é feita de grandes certezas, e sim de instantes que nos empurram para fora do medo. Guardar foi uma forma de sobreviver; contar, hoje, é uma forma de existir.




