O Corpo Sabia, o Mundo Não - William Contraponto

O Corpo Sabia, o Mundo Não

William Contraponto


Fui médium.

Não por fingimento, nem vaidade.

Fui porque o corpo ardia, porque o ar mudava, porque a voz vinha.

E era minha. E não era.

Algo passava por mim.

Algo que parecia maior.

E era.

Mas não vinha de fora.

Vinha do fundo. Da fome. Da espera. Da arquitetura invisível do desejo.


Era real o que me tomava.

Autêntico. Intenso. Sagrado até.

Mas era ilusão.

Não mentira. Ilusão.

Como quem sonha acordado e jura que viu.

Como quem sente e acredita, sem perguntar de onde vem o sentir.


A entidade que falava era a sombra do que esperavam.

O que eu dizia já morava no ouvido dos outros.

O transe era um acordo.

Eu oferecia, eles recebiam.

E todos acreditávamos.


Foi preciso muito silêncio para escutar o engano.

E muito amor pelo vivido para não cuspir no passado.

Não me envergonho.

Só não continuo.


Hoje não há altar.

Nem guia.

Nem canto.


Mas há espaço.

E nesse espaço, um vazio que não responde — mas não engana.


Ali eu fico.

Ali escrevo.

Ali me recuso a mentir para ser consolado.