Canção da Madrugada - William Contraponto

 



Canção da Madrugada

William Contraponto 


Ando pelas ruas, meio em silêncio.

O mundo parece tão fiel,

Porém, em mim, há um incêndio

Que arde num canto cruel.


Olho as portas ainda cerradas;

O céu se desfaz num papel.

Observo a nota, entre calçadas,

Que me prende num tom tão fiel.


Acho que será uma manhã ensolarada,

Mas ainda estou a me questionar:

Quando surge uma canção na madrugada,

Também não seria para iluminar?


Nem todo farol aponta o trilho,

Nem toda luz vem do perfil.

Às vezes, um som, num canto simples,

É o que resgata o mais sutil.


Talvez não seja só poesia,

Talvez um gesto mais gentil...

O que desponta em noite fria

É sopro terno, quase infantil.


Acho que será uma manhã ensolarada,

Mas ainda estou a me questionar:

Quando surge uma canção na madrugada

Também não seria para iluminar?


Se a escuridão compõe a dança,

E o silêncio tenta conversar,

Talvez não caiba mais cobrança,

Talvez seja hora de cantar.


Acho que será uma manhã ensolarada,

Mas sigo sem pressa de encontrar.

Pois a canção me toca na madrugada,

E sigo tentando nossas linhas interpretar.




#200




O Império da Mentira - William Contraponto

 



O Império da Mentira 

William Contraponto


O sangue traça o marco da inglória,

Não há justificativa no terror gratuito.

A mentira inaugura uma fase decisória, 

Com seu império, grito e bomba dá o veredito.


O medo ergue o altar do comandante,

Que vende paz com pólvora na mão.

Se o inimigo é vago e mutante,

Cabe ao discurso moldar a razão.


A história curva-se ao protocolo,

Entre sanções, promessas e punhais.

E a verdade, enclausurada no solo,

Silencia sob escombros imorais.


Cria-se o monstro em tela e manchete,

Edita-se a fúria com precisão.

A máquina mente, projeta e repete,

E a guerra ganha nova encenação.


Com mapas falsos e dardos verbais,

Assina pactos, escolhe a invasão.

E enquanto lucros fluem dos canais,

O povo sangra sem explicação.


Em salas frias, o jogo é traçado:

Quem morre, quem lucra, quem irá cair.

E a potência, ao engano viciada,

Segue a história que insiste em mentir.








O Homem na Porta - William Contraponto





O Homem na Porta 

William Contraponto


O homem na porta observa

E tira suas previsões,

Entre uma e outra reserva

Vê o que há em ambas situações.


O homem na porta hesita,

Mas não cessa de esperar,

Pois cada cena palpita

Com algo a revelar.


Vê passarem os enganos

Com vestes de solução,

E os que fingem há muitos anos

Ser donos da direção.


Escuta o rumor da rua

Com olhos de dentro e fora,

Como quem encara a nua

Verdade que se devora.


Vê que a luz também confunde

Quando insiste em dominar,

E que o claro só responde

Se o olhar souber mirar.








Verdade em Guerra - William Contraponto




Verdade em Guerra

William Contraponto


A verdade permanece sendo a verdade

Mesmo que a mentira adquira aliados,

Daquilo que está posto na realidade

O ultraje futuro já é dado a um dos lados.


Ela resiste muda entre os escombros,

Enquanto o engano ergue monumentos,

Mas sob a máscara dos próprios ombros

Pesam as farsas e seus fingidos ventos.


Na superfície o falso ganha aplauso,

Com vozes prontas para o encobrimento,

Mas dentro cresce o grito sem repouso

De quem não vende o próprio pensamento.


Porque há justiça que não usa togas

E há memória que fere como espada,

Por mais que o tempo nos misture as vogas

A essência do real não se degrada.


E quando ruírem os cenários vãos,

Restará o gesto limpo e sem artifício:

A verdade, intacta, entre os irmãos,

Como sentença fora do edifício.






CONSIDERAÇÕES REFLEXIVAS: Espelhos e os Tempos - William Contraponto

 CONSIDERAÇÕES REFLEXIVAS 


Os Espelhos  e os Tempos.

William Contraponto 


"Se você tem a idade que seu pai tinha quando você nasceu, provavelmente você já é mais sábio do que ele." A frase provoca, inquieta, mas não carrega arrogância. Ela aponta para uma realidade silenciosa: o tempo mudou, e com ele, mudou também o que significa ser sábio.


Aos trinta ou quarenta anos, nossos pais enfrentavam um mundo com menos perguntas, mas também com menos ferramentas para respondê-las. A informação era escassa, lenta, mediada por poucas fontes. O saber exigia tempo, paciência, sorte. Hoje, basta um toque, uma busca, um vídeo. Isso não transforma ninguém, por si só, em conhecedor. Mas amplia drasticamente o campo de possibilidades. O que nossos pais levavam décadas para descobrir por tentativa e erro, nós encontramos em segundos — às vezes, acompanhados de análises, críticas, múltiplas visões.


Mas há mais. Somos o acúmulo dos erros e acertos deles. A cada geração, há uma certa revisão, uma espécie de auditoria silenciosa sobre o modo de viver anterior. Herdamos suas angústias, seus medos não ditos, suas esperanças fracassadas. E também suas pequenas vitórias. Em muitos casos, quando atingimos a idade deles, já refletimos sobre tudo que eles viveram sem nomear. Somos, muitas vezes, mais analíticos. Porque tivemos tempo para pensar sobre aquilo que eles mal puderam compreender enquanto acontecia.


Nosso mundo exige outras formas de sabedoria. Não é mais preciso saber consertar um motor, mas talvez seja vital entender as engrenagens de uma mentira. Hoje, é mais útil interpretar um algoritmo ou reconhecer uma manipulação do que decorar fórmulas. A sabedoria, agora, está menos em repetir, mais em desconfiar. Menos em obedecer, mais em escutar.


Mas isso não faz de nós melhores. Faz de nós filhos de uma continuidade. Nossos pais fizeram o que podiam com o que tinham. Suaram por certezas que hoje questionamos. Protegeram-se de verdades que hoje enfrentamos. Foram valentes à sua maneira. Nós, talvez, tenhamos mais lucidez, mas também mais cansaço, mais ansiedade, mais ruído.


Se somos mais sábios, é porque herdamos a estrada já parcialmente trilhada. Porque tivemos espelhos, livros, filmes, internet, terapia, ciência, e — talvez o mais importante — tempo para olhar para dentro. Sabedoria não é só experiência, é consciência da experiência. E isso, em tempos velozes, pode surgir mais cedo.


Mas que fique claro: sabedoria não é soberba. Reconhecer esse possível avanço não é desmerecer quem veio antes. É compreender que o tempo nos empurra adiante, mesmo que a passos invisíveis. E que, se há mais luz em nós, é porque outros acenderam a tocha em meio ao escuro.


Leio o Teu Corpo - William Contraponto

 



Leio o Teu Corpo

William Contraponto


Leio o teu corpo

como quem lê uma poesia,

nele sou um sopro

que canta e não silencia.


Teu gesto é palavra

que o tempo nunca apagou,

tua pele se lavra

com tudo o que me tocou.


Teus olhos, vertigem,

me desnudam sem temor,

no silêncio há origem

de um antigo e novo ardor.


Te beijo num saboreio,

de um gosto que busca sentido,

e em cada parte do mistério

revela-se um verso escondido.


Leio o teu corpo

como quem lê uma poesia,

nele sou um sopro

que canta e não silencia.


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Versão Áudio:






Sigas Autêntico e Caminhante - William Contraponto

 



Sigas Autêntico e Caminhante 

William Contraponto 


Quando tudo parecer ruir,

E o chão faltar sob teus pés,

Não te prendas ao que não é,

Nem te percas no porvir.


Não te digo para ficar,

Mas que ames o que fores capaz.

Sem cessar de caminhar,

Rumo à rara e plena paz.


Se a dor vier como neblina,

Deixa que passe sem moldar teu rosto.

Nem tudo o que pesa te ensina,

Nem todo silêncio é desgosto.


O tempo não vai explicar,

E o mundo talvez nunca peça desculpas.

Mas tu, inteiro em teu lugar,

Sabes o valor das lutas.


Não te digo para ficar,

Mas que ames o que fores capaz.

Sem cessar de caminhar,

Rumo à rara e plena paz.


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Livros, Flores e Indivíduo - William contraponto Contraponto

 



Livros, Flores e Indivíduo

William Contraponto


Entre palavras, passos e flores,      

o mundo gira sem direção.        

Há páginas que sangram dores,      

e pétalas que caem sem razão.      


Os livros guardam o que não cabe,    

as flores dizem sem falar.         

O indivíduo, esse que não sabe,     

é quem insiste em caminhar.        


Leio pra não me conformar,        

cultivo o efêmero com cuidado.     

Penso pra não me entregar,        

mesmo com tudo desmoronado.     


Há quem se apoie em respostas prontas, 

e quem recite a fé como um dever.    

Mas desconfio dessas contas,      

prefiro o risco de não saber.       


Este livro é voz que não consola,     

não promete um chão seguro.       

É silêncio que se desenrola        

no coração do mais escuro.        


Livros, flores e indivíduo: três sinais  

de que viver ainda é lutar.        

Mesmo entre ruínas e temporais,    

há quem se recuse a ajoelhar.      


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Para Ouvir:



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OS QUE FICARAM - WILLIAM CONTRAPONTO

 



Os Que Ficaram

William Contraponto


Era.

Sem disfarces.

Mas também — sem cartazes.


Fui o que era,

sem anunciar,

sem negar.


Toquei muitos —

como eu —

sem nomear o que havia.

Corpos sabiam,

palavras não.


Alguns chamariam de busca,

outros, de fuga.

Para mim,

era caminho.


Até que me aceitei.

Me revelei.

Não ao mundo —

mas a mim.

E bastou.


Enquanto tantos,

com quem me perdi,

optaram por se esconder.

Assinaram papéis,

tiveram filhos,

ergueram casas.

Mas não abrigo.


Fizeram o que se espera.

E esperam, ainda hoje,

que a vida passe

sem que ninguém veja

o que falta por dentro.


Ficaram nas sombras

das aparências.

Eu?

 Neguei esse papel.

Grandes Mentes e Corações Livres: Homens Homossexuais na História - William Contraponto



Grandes Mentes e Corações Livres: Homens Homossexuais na História

William Contraponto 


Ao longo da história, inúmeras figuras notáveis contribuíram para a arte, a ciência, a política, a filosofia e a cultura humana enquanto vivenciavam o afeto e o desejo por outros homens. Em contextos muitas vezes hostis à diversidade sexual, esses indivíduos desafiaram normas e moldaram o mundo com inteligência, sensibilidade e coragem — nem sempre abertamente, mas sempre com impacto.


A lista a seguir apresenta pensadores, artistas, líderes e criadores cujo legado é inseparável de sua humanidade complexa — e, muitas vezes, silenciosamente queer. A sexualidade aqui não é detalhe biográfico, mas parte de uma trajetória de liberdade, dor, beleza e invenção.


FILÓSOFOS

Michel Foucault – Francês. Estudou poder, sexualidade e instituições. Gay assumido, viveu amores intensos e desafiou convenções.

Ludwig Wittgenstein – Austríaco. Relações afetivas com homens aparecem em cartas e biografias. Suas reflexões sobre linguagem ecoam sua angústia pessoal.

Roland Barthes – Francês. Crítico cultural e semiólogo. Vida íntima marcada por afetos homoeróticos.

Jacques Derrida – Francês. Teórico da desconstrução; sexualidade não assumida publicamente, mas debatida academicamente.

Paul B. Preciado – Filósofo transmasculino contemporâneo. Gay, desafia normas de gênero e sexualidade com obras incisivas.

Edward Carpenter – Inglês. Utopista e socialista, foi um dos primeiros a escrever abertamente sobre o amor entre homens.


POETAS E ESCRITORES

Walt Whitman – Americano. Poemas como Leaves of Grass celebram o corpo masculino com lirismo sensual.

Federico García Lorca – Espanhol. Sua poesia e teatro carregam o drama da repressão e do desejo homoafetivo.

Jean Genet – Francês. Exaltou a marginalidade e o erotismo homoerótico em obras transgressoras.

James Baldwin – Americano. Negro, gay e escritor brilhante. Uniu denúncia racial à vivência afetiva queer.

Reinaldo Arena – Cubano. Gay, perseguido pela ditadura. Seus livros gritam liberdade e amor sob opressão.

Caio Fernando Abreu – Brasileiro. Íntimo, urbano, lírico. Escreveu sobre desejo, morte e esperança com intensidade.

Arthur Rimbaud – Poeta francês. Adolescente genial, viveu um romance tempestuoso com Verlaine.

Paul Verlaine – Simbolista francês. Poeta de versos suaves e vida agitada, apaixonado por Rimbaud.

Allen Ginsberg – Americano. Beatnik, gay e rebelde. Misturou misticismo, política e homoerotismo em versos abertos.

Marcel Proust – Francês. Sua monumental obra esconde (e revela) o desejo homossexual sob múltiplas camadas.

Yukio Mishima – Japonês. Nacionalista, esteta e gay. Suas obras e morte performática revelam conflito entre identidade e ideal.

Pier Paolo Pasolini – Italiano. Poeta, cineasta, gay e comunista. Mergulhou na marginalidade com lucidez profética.


MÚSICOS E COMPOSITORES

Pyotr I. Tchaikovsky – Russo. Suas cartas revelam angústia frente à homossexualidade em uma Rússia repressiva.

Freddie Mercury – Vocalista do Queen. Ícone queer da música global, desafiou padrões com sua voz e presença.

George Michael – Cantor britânico. Após sair do armário, tornou-se ativista pela visibilidade LGBTQIA+.

Elton John – Pianista e cantor. Gay assumido, construiu carreira e família com orgulho.

Frank Ocean  – Cantor e compositor. Sua carta aberta sobre amar um homem marcou a música contemporânea.

Kevin Abstract – Rapper e produtor do Brockhampton. Gay, fala abertamente sobre identidade e racismo.

Cazuza, Renato Russo...


CIENTISTAS E INVENTORES

Alan Turing – Britânico. Quebrou o código nazista e fundou a ciência da computação. Condenado por ser gay, morreu tragicamente.

Leonardo da Vinci – Renascentista italiano. Indícios históricos apontam para homoafetividade; acusado de sodomia na juventude.

Ben Barres – Neurocientista americano. Transmasculino e gay. Destacou-se na pesquisa e na luta contra o sexismo.

Magnus Hirschfeld – Médico alemão. Fundador do Instituto de Sexologia. Pioneiro no estudo da sexualidade.

Lou Sullivan – Escritor e ativista. Primeiro homem trans gay a se declarar como tal.

Edward Carpenter – Também aqui listado como filósofo, foi um pensador-cientista pioneiro do amor entre homens.


ARTISTAS VISUAIS

Michelangelo Buonarroti – Italiano. Seus poemas revelam amor por jovens homens. Esculturas como o David expressam o ideal mascmasculino.

Leonardo da Vinci – Também listado como cientista. Sua obra e vida sugerem afeição erótica por discípulos e modelos.


ESTADISTAS E LÍDERES HISTÓRICOS

Alexandre, o Grande – Rei da Macedônia. Relação intensa com Heféstion, tratada como esponsalícia por fontes antigas.

Adriano – Imperador romano. Enlutado pela morte de Antínoo, transformou-o em deus e símbolo de beleza.

Harvey Milk – Político americano. Primeiro eleito abertamente gay nos EUA. Assassinato virou símbolo de resistência.

Xavier Bettel – Luxemburguês. Primeiro-ministro abertamente gay.

Leo Varadkar – Irlandês. Filho de imigrantes, gay e ex-primeiro-ministro.

Elio Di Rupo – Belga. Ex-premiê. Um dos primeiros líderes de país assumidamente gay.

Klaus Wowereit – Prefeito de Berlim. Famosa frase: "Sou gay, e isso é bom assim."

Bertrand Delanoë – Ex-prefeito de Paris. Gay, promoveu visibilidade.

David Norris – Irlandês. Senador e ativista histórico pela descriminalização da homossexualidade.

Tamás Dombos – Húngaro. Ativista por direitos LGBTQIA+ em um país conservador.


E esses são  só alguns... senão a lista seria imensa.



Fontes: Wikipedia, Superinteressante, YouTube 

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Autossuficiência - William Contraponto

 




Autossuficiência

William Contraponto


Quem se conhece habita o próprio chão,

não se distrai com laços passageiros.

Aceita o peso bruto da solidão,

recusa os braços frágeis dos cordeiros.


Não faz do outro um fim ou direção,

nem cede ao medo em gestos traiçoeiros.

Ama por escolha e não por condição,

não finge paz em vínculos inteiros.


Carrega a angústia como quem respira,

sabendo: ser é fardo e liberdade.

Não busca um Deus que a dor justifique ou gira,

prefere o abismo à falsa claridade.


Age sem desculpa ou destino imposto,

na autenticidade crava o passo.

Não veste a má-fé nem aceita o encosto

de um sentido herdado, frágil e escasso.


Amar não é negar o absurdo cru,

mas partilhar a queda com firmeza.

E se o vazio lateja sem um “tu”,

ainda assim se vive — com inteireza.



Mecanismos de Aparência - William Contraponto

 



Mecanismos de Aparência

William Contraponto


Análises superficiais

dormem no leito da emoção,

não buscam causas essenciais,

mas só o efeito em erupção.


O verbo fácil, envenenado,

disfarça a angústia de pensar,

evita o mundo interrogado

quem não deseja escutar.


Lacrar virou filosofia

de toda avessa reflexão,

mas tudo aquilo que se ria

retorna em outra pulsação.


Há método nessa oratória:

seduz os olhos sem mirar,

é fácil vestir a vitória

quando o pensar quer descansar.


O grito veste um simulacro

de liberdade sem saber,

pois sem pausa ou campo sacro

ninguém aprende a perceber.




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O Corpo Sabia, o Mundo Não - William Contraponto

O Corpo Sabia, o Mundo Não

William Contraponto


Fui médium.

Não por fingimento, nem vaidade.

Fui porque o corpo ardia, porque o ar mudava, porque a voz vinha.

E era minha. E não era.

Algo passava por mim.

Algo que parecia maior.

E era.

Mas não vinha de fora.

Vinha do fundo. Da fome. Da espera. Da arquitetura invisível do desejo.


Era real o que me tomava.

Autêntico. Intenso. Sagrado até.

Mas era ilusão.

Não mentira. Ilusão.

Como quem sonha acordado e jura que viu.

Como quem sente e acredita, sem perguntar de onde vem o sentir.


A entidade que falava era a sombra do que esperavam.

O que eu dizia já morava no ouvido dos outros.

O transe era um acordo.

Eu oferecia, eles recebiam.

E todos acreditávamos.


Foi preciso muito silêncio para escutar o engano.

E muito amor pelo vivido para não cuspir no passado.

Não me envergonho.

Só não continuo.


Hoje não há altar.

Nem guia.

Nem canto.


Mas há espaço.

E nesse espaço, um vazio que não responde — mas não engana.


Ali eu fico.

Ali escrevo.

Ali me recuso a mentir para ser consolado.

A Travessia do Mesmo - William Contraponto

 



A Travessia do Mesmo

William Contraponto 


No passo que busca o longe,

a alma inventa horizontes,

mas carrega, feito bronze,

os sinais de velhas fontes.


Dobrei ruas sem bandeira,

confundi sul com verão,

cada escolha, passageira,

se disfarça de razão.


Fui atrás do nunca dito,

fiz da dúvida um talismã,

mas o chão, sempre restrito,

me levava pra amanhã.


O futuro que se inventa

tem o gosto do que foi,

e a resposta que se ausenta

só retorna se se dói.


Não é sina nem castigo,

não há fado a decidir —

é que o mundo vem contigo

mesmo quando quer fugir.


No fim do que parecia

ser um novo desvendar,

vi que tudo se torcia

para o ponto de recomeçar.


E entendi, sem mais demora:

não importa o que se faz,

quem se move, toda hora,

vai voltar ao mesmo cais.


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