Considerações Reflexivas: A Raiz da Dualidade - William Contraponto

Considerações Reflexivas



A Raiz da Dualidade

William Contraponto


Vivemos em um mundo de contrários. Luz e sombra, razão e emoção, progresso e tradição, indivíduo e coletivo. Em toda parte, a dualidade parece ser o pano de fundo da experiência humana. No entanto, ao olhar mais profundamente, começo a perceber que a raiz da dualidade é, paradoxalmente, a unidade. Antes de qualquer separação, havia apenas o uno — indivisível, total.


A divisão surge não como um fato absoluto, mas como uma interpretação. A unidade original, ao ser percebida sob diferentes perspectivas, se desdobra em opostos. Assim, o conflito nasce não da essência das coisas, mas da forma como as compreendemos. Interpretar o uno de maneiras distintas é o início de todas as fragmentações: culturais, políticas, espirituais. Cada lado acredita possuir a verdade completa, quando, na verdade, carrega apenas uma face da totalidade.


Essa cisão, mantida e alimentada por séculos, ameaça os próprios alicerces da civilização. Vivemos em tempos de polarização extrema, onde o outro não é mais visto como um complemento, mas como um inimigo a ser eliminado. Esquecemos que toda oposição é, no fundo, complementar. O dia não nega a noite — ele a antecede. O som precisa do silêncio para ser ouvido. A existência plena requer contraste, mas não ruptura.


Se não encontrarmos uma maneira de lembrar e reintegrar essa unidade essencial, estamos fadados à autodestruição. A tecnologia pode avançar, as fronteiras podem se expandir, mas uma civilização que perde o senso de pertencimento mútuo, que já não reconhece no outro um reflexo de si mesma, está à beira do colapso.


Reunificar não significa apagar as diferenças, mas sim compreendê-las como expressões de uma mesma origem. O desafio não é voltar a ser um no sentido da uniformidade, mas reencontrar o fio invisível que liga todos os múltiplos ao centro. Resgatar essa consciência pode ser o ato mais revolucionário do nosso tempo — e talvez, o único capaz de nos salvar.





EU PAGUEI O PREÇO - WILLIAM CONTRAPONTO



Eu Paguei o Preço

William Contraponto


Falei o que outros calaram,  

vivi o que muitos fugiram.  

Enfrentei pedra, riso e murmurinho,  

só pra andar com o que eu respiro.  


Teve quem riu da minha cara,  

teve quem virou o olhar.  

Hoje me dizem que era medo —  

mas medo não me faz respeitar.  


Eu paguei o preço pra ser quem sou,

apanhei do mundo sem me curvar.

Quem se escondeu por escolha ou por conforto,

não vem pedir meu lugar.


Teve noite que não teve sono,  

muita lágrima sem plateia.  

Enquanto alguns se moldavam no escuro,  

eu me acendia na ideia.  


Agora vêm com discurso gasto,  

dizendo que o tempo passou...  

Mas coragem não nasce de desculpa,  

nem brota onde nunca germinou.  


Eu paguei o preço pra ser quem sou,

enfrentei sem ter onde encostar.

Quem se trancou no medo e no costume,

não tem direito de me julgar.

TENSÕES INSOLÚVEIS - WILLIAM CONTRAPONTO

 



Tensões Insolúveis

William Contraponto


Desejo o teu olhar que me desvenda,  

Mas temo ser espelho e não mistério.  

Na tua liberdade que me ofenda,  

Procuro um porto e encontro um hemisfério.  


Queria que me amasses por vontade,  

Sem leis, sem jaulas, sem promessa vã.  

Mas clamo por constância e lealdade  

Enquanto a tua alma quer manhã.  


Se tento te prender, tu me resistes,  

Se solto, a angústia em mim se faz furor.  

O amor nos une em pactos tão tristes,  

Travando em carne o grito do temor.  


Não há fusão — há campos de batalha,  

Dois mundos que se cruzam e recuam.  

No gesto mais gentil, a força falha,  

Dois corpos que se amam, mas se anulem.  


E sigo te amando em contradição,  

Pedindo que tu sejas o que és.  

Amar é ver no outro a negação  

E mesmo assim ficar de pés a pés.

Artigo: O Ridículo, o Escroto e o Falso - William Contraponto



O Ridículo, o Escroto e o Falso

Vivemos a era da superfície, onde o que é grotesco atrai olhares e o que é vazio conquista palcos. O ridículo, o escroto e o falso não apenas existem: são celebrados. São viralizados, premiados com corações digitais e aplausos instantâneos. O mérito, a profundidade, a beleza silenciosa — tudo isso perdeu espaço para o espetáculo da distorção.

As redes sociais, que poderiam ser pontes de ideias, tornaram-se vitrines do absurdo. Quanto mais gritante, mais visível. Quanto mais insincero, mais popular. Criou-se um mercado da atenção em que qualidade é irrelevante: importa apenas capturar o próximo clique, o próximo like, a próxima reação.  

E assim, confundimos relevância com popularidade, verdade com histeria, arte com ruído.

Aplaudimos o que nos afasta da reflexão e, sem perceber, nos tornamos cúmplices do triunfo da aparência sobre a essência.


ENTRE BRÉUS E CLARÕES - WILLIAM CONTRAPONTO

 


Entre Bréus e Clarões
William Contraponto

No fulgor do caminho em bréu,  
existe uma névoa de possibilidades.  
O acaso já não se reduz ao léu;  
há vultos que escolhem suas verdades.  

Passos vacilam no chão incerto,  
entre silêncios que fingem sentido.  
Cada gesto traça um rumo encoberto,  
no compasso de um tempo dividido.  

O humano se inventa a cada erro;  
já não basta o contorno na vitrine.  
Errando o alvo para encontrar-se inteiro,  
entre ausências, o sentido se define.  

Há um cansaço que move os sentidos,  
uma sede que não quer saciedade.  
Vontades nascem de sonhos partidos,  
e habitam fendas da realidade.  

No fulgor que antes era cego e espesso,  
desvela-se o passo que nunca se viu.  
A névoa, enfim, já não teme o começo,  
pois há lucidez no que antes era vazio.  






EXPANSÃO - WILLIAM CONTRAPONTO



Expansão

William Contraponto


O cosmos cresce e nunca diz aonde,  

um passo além da lógica que alcanço.  

A linha do horizonte já responde  

com tudo o que se perde no avanço.


As galáxias se vão, como se fossem  

fragmentos de um passado que desaba.  

Na fuga das estrelas, olhos rocem  

a face oculta de uma luz que acaba.


Enquanto a luz se curva no caminho,  

o tempo se despede da medida.  

E nós, varridos como pó sozinho,  

tentamos nomear o vão da vida.


Crescemos dentro, como quem procura  

a forma de caber no que transcende.  

A mente, que se forma da ruptura,  

se abre ao que desconhece e não entende.


Não há origem firme a nos guiar,  

nem eixo onde repousa o que é inteiro.  

E mesmo sem um chão para pisar,  

avança o pensamento passageiro.


Talvez sejamos sopro entre colisões,  

matéria a questionar seu próprio abrigo.  

Mas mesmo entre ruínas e explosões,  

há algo em mim que sussurra: sigo.





SEDE INFINITA - WILLIAM CONTRAPONTO



Sede Infinita

William Contraponto


Não me basta o que me dizem,  

nem o mapa já traçado,  

ando em busca do abismo  

onde mora o inacabado.  


Cada página é um espelho  

me mostrando o que não sei,  

e o silêncio me aconselha:  

vai mais fundo, não parei.  


Tenho fome de mistério,  

sede viva do talvez,  

me alimento do etéreo  

e do verbo em sua vez.  

Não é falta de sossego,  

é vontade de entender—  

que a pergunta vale o preço  

de jamais me deter.


Vejo o mundo em entrelinhas,  

sinto o tempo se dobrar,  

o que é certo se inclina  

quando insisto em questionar.  


Não me acalma o já sabido,  

nem me prende a direção,  

sou discípulo do ruído  

onde pulsa a intuição.  


O saber não tem chegada,  

é caminho em combustão,  

cada dúvida é chamada  

pra uma nova imersão.  


Tenho fome de mistério,  

sede viva do talvez,  

me alimento do etéreo  

pra viver com lucidez.  

Não é medo do concreto,  

é desejo de crescer—  

quem pergunta, se liberta  

por ousar se desconhecer.




Escolhas Insensatas - William Contraponto



Escolhas Insensatas

William Contraponto


Não viu o traço no chão ressequido,  

Nem leu o vulto na contramão,  

Tomou por certo o que era fingido  

E selou-se ao erro sem contrição.  


Insistiu na palavra quebrada,  

Na verdade de aparência hostil,  

Fez morada na estrada errada  

E ao justo chamou de febril.  


Julgou que o mundo se curva ao intento,  

Que a lógica se dobra ao desejo,  

Mas a essência não cede ao vento  

Nem a sorte tolera o lampejo.  


Seguiu sem notar os sinais do abismo,  

Com olhos de cego em céu de brasas,  

E as mãos, movidas por egoísmo,  

Construíram ruínas em asas.  


Agora é lenda sem canto ou cor,  

Registro da queda entre o nada e o mais,  

Reflexo eterno do próprio torpor  

Nas escolhas insensatas, mortais.




O PESO E A BALANÇA - WILLIAM CONTRAPONTO



O PESO E A BALANÇA

William Contraponto 


O que pensa distinto não é teu inimigo,  

mas parte do pulso que move a razão.  

Sem voz contrária, reina o perigo  

de um mundo cego na própria visão.  


O oposto é espelho que quebra o orgulho,  

um freio no abismo da certeza armada.  

Sem ele, o discurso vira entulho  

e a roda do tempo trava na estrada.  


O equilíbrio exige tensão no fio,  

a dança dos contrários em justa medida.  

O silêncio de um lado gera o desvio  

que faz do discurso uma faca invertida.  


A verdade se nutre do que a desafia,  

cresce no atrito, floresce na dúvida.  

Radicais constroem a tirania  

onde o uno se impõe, sem freio, sem bússola.  


E a engrenagem — sutil, silenciosa —  

gira porque há contraste entre as peças.  

O que pensa diverso sustenta a rosa  

que murcha no campo das ideias travessas.  



Artigo: Os Iluminados do Zap - William Contraponto


Os Iluminados do Zap

Há uma nova elite intelectual emergindo no Brasil. Eles não frequentaram universidades — que, como se sabe, são fábricas de comunistas que leem livros e questionam o mundo — mas encontraram a verdade no lugar mais puro e incontaminado pelo pensamento crítico: os grupos de WhatsApp da família.

Ali, entre figurinhas de "Bom dia com Jesus" e vídeos tremidos de pastores suando mais que vendedores de Yakult no Saara, eles se formam. São PhDs em "geopolítica de corredor de supermercado", especialistas em “marxismo cultural” e têm mestrado em “como a Terra é plana, sim senhor”.

Não se engane: a sabedoria deles não está nos livros, mas nas correntes. Cada áudio anônimo que começa com “gente, eu não posso me identificar, mas trabalho dentro do governo” é um tratado filosófico. Uma revelação. Uma epifania. O Oráculo de Delfos, perto disso, era só fofoqueiro.

E o bolsonarismo, claro, é seu templo. Afinal, quem precisa de fatos quando se tem fé? Fé na cloroquina, fé no mito, fé na ideia de que existe uma conspiração global para fazer você comer grilo e usar banheiro unissex.

Eles riem da ciência com um desprezo que só é possível para quem nunca precisou passar no vestibular. Eles zombam da cultura como se zombar fosse sinônimo de superioridade. Acreditam que Paulo Freire destruiu o Brasil e que o Leonardo DiCaprio queimou a Amazônia — tudo isso entre um churrasco e outro financiado com o auxílio que o comunismo quer tirar.

Na cabeça deles, o mundo é dividido entre os “patriotas de bem” (que por coincidência são sempre eles) e o resto: traidores, esquerdopatas, mamadores de Lei Rouanet e adoradores de picanha argentina.

E quando você tenta dialogar? Ah, você é arrogante. Elitista. Um escravo da GloboLixo. Porque quem sabe mesmo é o tio do zap, que largou tudo — inclusive o raciocínio lógico — para viver a verdade do meme.

Mas não se preocupe. O tempo, como sempre, é o maior desinfetante de delírios. Até lá, seguimos firmes, acompanhando esse espetáculo tragicômico onde o obscurantismo desfila com a empáfia de quem acha que "O Iluminismo" é uma marca de lâmpada.

SÓ, MAS INTEIRO - WILLIAM CONTRAPONTO

 



SÓ, MAS INTEIRO

William Contraponto 


Sou só, mas não sou vazio, 

me escuto melhor quando o mundo se cala. 

No caos de estar só, eu crio um desvio,

lar na incerteza, farol sem escala. 


Entre os ruídos de um dia comum, 

me encontro nas sobras do que não falei. 

Caminho sozinho, porém sou um 

com tudo que fui, com tudo que amei. 


O tempo sussurra verdades tortas, 

sou rima esquecida, sou verso que insiste. 

As portas que fecho abrem outras portas, 

a ausência me molda, e nela eu existo. 


Sou só, mas não sou vazio, 

me escuto melhor quando o mundo se cala. 

No caos de estar só, eu crio um desvio,

lar na incerteza, farol sem escala. 


Amar sem presença é puro ensaio, 

um eco do toque que nunca chegou. 

Mas dentro de mim, onde nunca é atalho, 

há pontes e mapas que o tempo guardou. 


Não há solidão onde mora sentido, 

sou cheio de ausências que sabem dançar. 

Bem acompanhado por quem não é tido, 

só eu e meus eus a me completar.


Sou só, mas não sou vazio, 

me escuto melhor quando o mundo se cala. 

No caos de estar só, eu crio um desvio,

 lar na incerteza, farol sem escala.

NA DIFERENÇA, O ENCONTRO - WILLIAM CONTRAPONTO

 



NA DIFERENÇA, O ENCONTRO

William Contraponto 


Não há um só rosto na face do mundo,

cada cor, cada fala é raiz da canção.

No outro que vive, eu me aprofundo 

sendo ponte, cais, contradição.


O diverso é chama que aprende a crescer,

é a dança entre vozes sem dono ou padrão.

É o caos fecundo que sabe tecer

a trama sagrada da evolução.


Na dança do múltiplo, tudo respira,

da prece do monge ao batuque do chão.

É no que escapa, na voz que delira,

que se ergue o eco da civilização.


Nenhum dogma abarca o todo que somos,

nem pátria, nem credo, nem verbo imposto.

Somos o abraço das margens que fomos,

um coro de diferenças num só rosto.


O diverso é força que ensina a viver,

não há verdadeiro sem contradição.

É linha que rompe o medo de ser,

abrindo a carne da tradição.


Respeitar é ver-se no espelho partido,

é ouvir o silêncio de quem não tem vez.

O contraponto não é ruído perdido,

é semente de um novo talvez.


O diverso é mundo por dentro do ser,

é verbo que pulsa além da razão.

No encontro de abismos, vem florescer

a civilidade em construção.



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Ouça:



INSÍGNIA VAZIA - WILLIAM CONTRAPONTO

 



Insígnia Vazia

William Contraponto 


Forjaram rostos sob o mesmo selo, 

Apagam nomes, moldam multidão. 

O canto livre tornou-se flagelo, 

Num eco surdo dentro da prisão. 


Erguem as torres com fios de comando, 

A alma é curva em tela monitor. 

O passo é vigiado, o verbo é brando, 

A mente cala sob o domador. 


As leis são máscaras de porcelana, 

Que brilham falsas sob o sol do império. 

A carne sonha, mas a grade emana 

Um sono denso, lúgubre e etéreo. 


Cada sujeito esfarela no sistema, 

Arquivado em códigos sem rosto. 

Há corações que ardem, mas sem tema, 

Tornam-se um número em tom desgosto. 


E quando o grito sobe pela escada, 

O teto desce em verbo programado. 

O “eu” que resta — cinza, quase nada — 

Já foi calado, moldado, apagado. 

NO CORAÇÃO DO ABISMO - WILLIAM CONTRAPONTO



NO CORAÇÃO DO ABISMO


A lâmina cega do tempo oscila,  

corta no vento a voz que se esvai.  

O mundo dorme sob a argila,  

e o ser, sem rosto, não volta mais.  


No coração do abismo, a alma veste o véu,

e o nome some sob o sal do céu.


O corpo é barco sem vela ou cais,  

navega em névoas de eternos talvez.  

O outro é espelho que nunca é mais,  

reflete ausências, nunca a sua vez.  


No coração do abismo, a alma veste o véu,

e o nome some sob o sal do céu.


A liberdade — ave sem coroa —  

canta no abismo onde o som caiu.  

A escolha pesa como uma loa,  

que o vento entoa no núcleo do vazio.  


No coração do abismo, a alma veste o véu,

e o nome some sob o sal do céu.


E quando o nada enfim se desfez,  

sob a poeira, brilhou um sinal:  

não era o fim, mas o parto talvez,  

de um novo canto, no ventre do astral.  


No coração do abismo, a alma solta o véu,

e acende um nome sob o sal do céu.

O FIO DO REAL - WILLIAM CONTRAPONTO



O FIO DO REAL

William Contraponto 


O factível é tênue no caos crescente,
Vaga entre ruínas do saber,
Pois o que era luz aparente
Já não consegue acender.

Quando a fala não se ancora,
E o ensino se desfaz,
Como é que a mente devora
O que nunca é veraz?

Não é com dogma repetido
Que se edifica a razão,
Mas com silêncio erguido
Na escuta e na revisão.

O factível é tênue no caos crescente,
Vaga entre ruínas do saber,
Pois o que era luz aparente
Já não consegue acender.

Quando o verbo é só ruído,
E o saber se torna encenação,
O estranho se faz conhecido
Na forma da desinformação.

Sem nenhuma ponte segura,
A ideia vaga em contramão 
E o mundo, em sua loucura,
Confunde mentira com construção.

O factível é tênue no caos crescente,
Vaga entre ruínas do saber,
Pois o que era luz aparente
Já não consegue acender.


TUDO PASSA - WILLIAM CONTRAPONTO



Tudo Passa

William Contraponto


Tudo passa,  

Mesmo o que jura ficar.  

A pedra vira poeira  

E o rio aprende a secar.


Chamam de eterno o instante  

Que mal sabem definir.  

Mas o tempo, sem descanso,  

Ensina a desistir.


A casa que foi abrigo,  

O nome que foi poder,  

São sombras no mesmo abrigo  

Do que deixamos de ser.


Tudo passa,  

Mesmo o que jura ficar.  

A pedra vira poeira  

E o rio aprende a secar.


Insistem em congelar  

O que só sabe escorrer.  

Fotografam o momento  

Como se fosse deter.


Mas tudo é deslocamento,  

Tudo é vento a se esvair.  

A permanência é um invento  

Pra adiar o porvir.


Tudo passa,  

Mesmo o que jura ficar.  

A pedra vira poeira  

E o rio aprende a secar.



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Ouça:








O Espelho Estilhaçado do Bolsonarismo - William Contraponto

 



O Espelho Estilhaçado do Bolsonarismo

William Contraponto

O bolsonarismo não pode ser compreendido apenas como uma figura política, mas como um fenômeno simbólico: a expressão de uma crise profunda na identidade nacional. Ele funciona como um espelho estilhaçado que reflete e multiplica medos coletivos, transformando a insegurança em agressividade e a ignorância em força política.

Nesse contexto, a linguagem perde sua função de comunicação e entendimento. O discurso racional é substituído por slogans e gritos. A palavra, que poderia construir pontes, passa a servir como instrumento de dominação e exclusão. É a razão sendo substituída por ruído.

A adesão ao bolsonarismo revela um desejo de retorno às sombras - não as sombras do desconhecido criativo, mas as da caverna platônica, onde a ilusão é preferida à luz. A negação da ciência, da empatia e da diversidade se junta à veneração de mitos e símbolos manipulados, formando um ressentimento organizado e travestido de redenção.

A natureza, constantemente presente na minha obra poética, aparece aqui como vítima. O bolsonarismo a ignora ou destrói, incapaz de reconhecer sua linguagem silenciosa. O poder que se afirma pela força bruta não dialoga com a delicadeza do mundo natural.

No centro desse processo está a manipulação da verdade. Fatos são distorcidos, versões são fabricadas, e a mentira se torna ferramenta política. O bolsonarismo, mais do que uma ideologia, é um sintoma: uma reação ao colapso de certezas e ao medo do futuro.

No entanto, há resistência. Mesmo em meio ao ruído e à escuridão, há vozes que insistem na lucidez. Cabe a cada um decidir se seguirá prisioneiro dos reflexos fragmentados ou se buscará reconstruir um horizonte comum a partir da escuta, da verdade e da imaginação crítica.

DO DOGMA - WILLIAM CONTRAPONTO

 



DO DOGMA 

William Contraponto


O juízo vem pronto,  

No molde que herdaste,  

Não pensas: só contas  

As regras da casta.


A moral que carregas  

É presilha no verbo,  

Enredas e negas  

O diverso que observo.


Teu zelo é fachada  

Pra um medo escondido,  

Fé mal interpretada  

Com rancor revestido.


Falas de céu e inferno  

Como se soubesses o traço,  

Mas teu amor é tão terno  

Que não passa do compasso.


A palavra, em prisão,  

Ecoa vazia e severa;  

Faz do outro exclusão  

E da dúvida, quimera.


Mas o mundo que negas  

Não se curva à tua lida;  

Na pele que almejas apagar  

Há verdade e há vida.

DILUIÇÃO - WILLIAM CONTRAPONTO

 



DILUIÇÃO

William Contraponto


Não há glória em ser espelho  

do olhar alheio, desatento.  

A alma, quando se faz conselho,  

cede ao mundo seu argumento.  


Rebaixa-se quem se esculpe  

segundo o molde do instante,  

pois o aplauso, quando adulpe,  

cobra a essência em semblante.  


O meio, por vezes, seduz  

com promessas de pertença,  

mas o preço da falsa luz  

é a morte lenta da crença.  


O que és — sê por inteiro,  

mesmo à custa do silêncio,  

pois o disfarce passageiro  

é cárcere sem alento.  


Quem muito se molda ao externo  

perde o nome no reflexo.  

E o ser, tornado moderno,  

é só vulto, vão, anexo.  



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Ouça:



CANTO AO ÍDOLO DE BARRO - WILLIAM CONTRAPONTO

 



CANTO AO ÍDOLO DE BARRO

William Contraponto


Ergueu-se em trono de espuma  

O brado raso e veemente,  

Tinha o verbo sem nenhuma  

Raiz no que é realmente.  


Com o punho em gesto estreito  

E a Bíblia fora do contexto,  

Marchava ao som do despeito  

Como se o ódio fosse texto.  


Vestia a pátria em carcaça  

De mito e arma na mão,  

Mas o brilho era de taça  

Que camufla a erosão.  


Não há cura no messias  

Que não sofre contradição,

Seu saber são porcarias  

Transcritas sem reflexão.  


E os que o seguem, em delírio,  

Choram glórias de ocasião,  

Como bois em velho giro  

Presos na mesma ilusão.  


Mas a história, paciente,  

Já lhe escreve o epitáfio:  

“O que é grande, se aparente,  

Rui sem sustento ou prefácio.”

ENTRE PROMESSAS E CHAMAS - WILLIAM CONTRAPONTO


Entre Promessas e Chamas 

William Contraponto 


O fogo arde sem consumir,
pintado em sombras pela prece,
é labareda a corrigir
quem ao dogma não se aquece.

Mas que fronteira desenharam
entre a culpa e a redenção?
Que mãos ocultas fabricaram
as algemas da salvação?

Se o céu é dádiva futura,
por que a terra é só tormento?
Se a paz é mera assinatura,
qual o preço do lamento?

Há um véu sobre o horizonte,
feito de luz e de condeno,
mas quem caminha pela ponte
sabe: é o mesmo ar que é veneno.

E assim prossegue a humanidade,
presa entre o medo e a ilusão,
negociando eternidade
com moedas de submissão.

ARQUITETURA DO PERTENCIMENTO - WILLIAM CONTRAPONTO


Arquitetura do Pertencimento

William Contraponto 


Entra o sujeito na roda,
Traz consigo o medo antigo.
A multidão o acolhe com o rótulo
E apaga o vestígio.

Dão-lhe um nome que não foi dito,
Um grito que não nasceu da garganta.
Uniformes são distribuídos,
E a dúvida é levada à estampa.

Na comuna, ergue-se o mito 
Não do ser, mas do encaixe.
Há valor no coletivo restrito
E censura sob a face da paz.

Ali, a verdade é ditada
Pelo consenso não questionado.
Aquele que pensa à margem
É cedo tornado culpado.

A pertença, quando imposta,
É corrente de ouro polido:
Reluz à luz da promessa,
Mas cala todo o ruído.

Não é o laço o problema,
Mas o nó que se firma no engano.
Comunidade que exige pureza
Cobra alto pelo humano.


ECO DO NÃO DITO - WILLIAM CONTRAPONTO

 


ECO DO NÃO DITO

William Contraponto 


No ar repousa um som ausente,  

de um nome que ficou silente.  

Não veio à voz, ficou retido,  

mas vive em tudo o que é contido.


Nas sombras fala o não falado,  

o verbo antigo, oculto, alado.  

Pairando além do que é escrito,  

um eco vago, mais que o mito.


Não houve cena, nem relato,  

mas sinto o traço no abstrato.  

É como um passo que hesita,  

e deixa marcas... na desdita.


O que não disse, me atravessa,  

como a lembrança que não cessa.  

E no silêncio mais bendito,  

escuto o eco do não dito.


REFLEXO NO INFINITO


Reflexo no Infinito

William Contraponto 


No fulgor da substância imutável,  

onde o tempo dissolve seu vulto,  

não há voz que dite a verdade,  

nem mão que trace o indulto.  


O sopro do caos se ordena por si,  

no fluxo que molda o império do tudo.  

Nenhum rosto se ergue no véu sideral,  

nenhum nome repousa no escudo.  


Se esperas decreto, não há quem o faça,  

se buscas clemência, é tua a sentença.  

A folha se dobra ao vento que passa,  

não por prece, mas pela presença.  


No todo que vibra sem régua ou intento,  

somos centelhas de um mesmo fulgor.  

Nem servos, nem filhos, nem vítimas pálidas,  

apenas partes de um ser sem senhor.  


Eis o divino, desprovido de trono,  

nem ira, nem glória, nem cláusula justa.  

Somente a dança dos mundos sem dono,  

somente a ordem que nunca se ajusta.  


O MITO DA LIBERDADE - WILLIAM CONTRAPONTO




O Mito da Liberdade

William Contraponto 


Disseram-me: És livre!

E eu, ingênuo, acreditei.  

Pisei na estrada com pés leves,  

mas logo senti o peso invisível  

das escolhas já feitas por mim.  


Chamaram de liberdade o campo aberto,  

mas esqueceram de falar dos muros.  

De quem são as mãos que desenham os caminhos  

antes mesmo que eu sonhe em trilhá-los?  


Dizem-me: Escolha!

Mas as cartas já estão marcadas.  

Dizem-me: Decida!

Mas os trilhos só levam ao mesmo lugar.  


Se sou livre, por que cada passo ecoa  

o comando de vozes que não são minhas?  

Se sou livre, por que o horizonte  

parece um quadro fixo, sem brechas para o acaso?  


A liberdade é um mito bem contado,  

uma ilusão bem iluminada.  

Uma gaiola tão vasta, tão bela,  

que já nem percebemos as grades.

ÁRVORE DE MIM - WILLIAM CONTRAPONTO

 



Árvore de Mim

William Contraponto 


Minhas raízes afundam na terra molhada,  

braços de tempo que nunca se apagam.  

São memórias, medos, risos e abraços,  

os ventos da infância que sopram dos laços.  


No caule, eu cresço, anéis de jornada,  

cicatrizes que guardo, lições desenhadas.  

Cada ruga na casca é um dia vivido,  

sou forte, sou frágil, sou meu próprio abrigo.  


E os galhos, os sonhos que estendo ao céu,  

uns fortes, inteiros, outros ao léu.  

Frutifico em amores, perco folhas no outono,  

renasço em silêncios, refaço meu trono.  


Sou árvore erguida na brisa ou na dor,  

danço com a vida, recebo o sol.  

E mesmo que o tempo me curve a espinha,  

sou tronco, sou vida, sou sombra que aninha.

CÍRCULO INFINDO - WILLIAM CONTRAPONTO

 


Círculo Infindo 

William Contraponto 


O tempo gira, insone e exato,

o que foi pó, renasce em vento.

O que foi forte, hoje é retrato,

o que era novo, jaz em cimento.


O mesmo sol que abre caminhos

deixa os desertos em seu clarão.

E o mar que embala barcos e ninhos

afoga sonhos sem compaixão.


Dança o destino em passos tortos,

somos começo, somos fim.

Entre ruínas e campos mortos,

sempre há um grão que nasce enfim.


Os deuses falam por vozes gastas,

seus nomes mudam, mas são iguais.

Erguemos templos, cortamos matas,

mas carregamos os mesmos sinais.


A noite engole o dia, e o dia responde,

mas quem governa, quem se mantém?

A chama apaga, o rio se esconde,

mas sempre volta quem vai além.


Dança o destino em passos tortos,

somos começo, somos fim.

Entre ruínas e campos mortos,

sempre há um grão que nasce enfim.