NO CORAÇÃO DO ABISMO
A lâmina cega do tempo oscila,
corta no vento a voz que se esvai.
O mundo dorme sob a argila,
e o ser, sem rosto, não volta mais.
No coração do abismo, a alma veste o véu,
e o nome some sob o sal do céu.
O corpo é barco sem vela ou cais,
navega em névoas de eternos talvez.
O outro é espelho que nunca é mais,
reflete ausências, nunca a sua vez.
No coração do abismo, a alma veste o véu,
e o nome some sob o sal do céu.
A liberdade — ave sem coroa —
canta no abismo onde o som caiu.
A escolha pesa como uma loa,
que o vento entoa no núcleo do vazio.
No coração do abismo, a alma veste o véu,
e o nome some sob o sal do céu.
E quando o nada enfim se desfez,
sob a poeira, brilhou um sinal:
não era o fim, mas o parto talvez,
de um novo canto, no ventre do astral.
No coração do abismo, a alma solta o véu,
e acende um nome sob o sal do céu.
