NO CORAÇÃO DO ABISMO - WILLIAM CONTRAPONTO



NO CORAÇÃO DO ABISMO


A lâmina cega do tempo oscila,  

corta no vento a voz que se esvai.  

O mundo dorme sob a argila,  

e o ser, sem rosto, não volta mais.  


No coração do abismo, a alma veste o véu,

e o nome some sob o sal do céu.


O corpo é barco sem vela ou cais,  

navega em névoas de eternos talvez.  

O outro é espelho que nunca é mais,  

reflete ausências, nunca a sua vez.  


No coração do abismo, a alma veste o véu,

e o nome some sob o sal do céu.


A liberdade — ave sem coroa —  

canta no abismo onde o som caiu.  

A escolha pesa como uma loa,  

que o vento entoa no núcleo do vazio.  


No coração do abismo, a alma veste o véu,

e o nome some sob o sal do céu.


E quando o nada enfim se desfez,  

sob a poeira, brilhou um sinal:  

não era o fim, mas o parto talvez,  

de um novo canto, no ventre do astral.  


No coração do abismo, a alma solta o véu,

e acende um nome sob o sal do céu.